Avesso das coisas
Dia desses
trocávamos confidências, e perguntaste assim, de repente:
— Você se
sabe?
— Hoje me
sei mais que ontem. Hoje me sei amar! — eu respondi ainda tão insegura.
Revejo os
textos na minha cabeça como um alimento que se rumina. Hoje eu envelheci mais
dez semanas. Mas o tempo é tão curto e complexo; o tempo é caprichoso. Esse
deus vaidoso, que não marca nada, não quer dizer nada, e ainda assim insistimos
em adorá-lo.
Hoje sei
muito mais que ontem, e muito menos do que amanhã eu descobrirei de mim, porque
estou ávida na demanda de me saber de verdade e profundamente. Eu sou uma
metamorfose constante. Hoje meu compromisso é com meu dentro e fora; e ainda
com aquela camada inconsciente; e ainda também, com meu avesso. (talvez seja exatamente
aí, no avesso, que eu me descubra).
Eu me atrevi
a nascer ‘mulher’, num mundo machista e castrador; atrevi a ser delicada em
meio aos lobos devoradores; eu quis ser gentil, onde os fracos não tem vez;
quis ser mato, ser formiga, ser vaga-lume, ser lago azul profundo; eu vivia
sonhando meus sonhos solitários e inventando meu próprio mundo.
Eu me atrevi
a nascer com alma, num lugar onde todos só têm fome de carne.
Minha alma
demandava escutar orquestras sinfônicas (hoje eu sei), enquanto o rádio estralava
sempre qualquer coisa vomitada e sem nexo, geralmente algo que falasse de sexo.
Eu queria balé (Ah, as bailarinas leves e lindas nas pontas dos pés, no meu
livrinho do lago dos cisnes). Eu queria ser cisne.
Eu queria
ser poeta, enquanto os adultos escolhiam para mim, à revelia, a profissão que
me deixasse mais rica, porque segundo eles, eu era tão inteligente que poderia
ser o que quisesse... Eu só queria ser livre! Eu nunca quis (e ainda não quero)
ser rica. Não essa riqueza capitalista contada em posses e cifrões.
— Tolos! Não
sabem o quanto sou rica!!
Eu sou dona
dos céus e das estrelas da noite, esses pirilampos piscantes. E sou dona da lua
dos lobos e dos amantes. Eu sou deles e eles são meus:
O rio, a
pedra do rio e o mar; o sal do mar, e o doce das cachoeiras. A voz do
pintassilgo, as asas das borboletas e o canto das sereias.
Eu sou o
ouro, que com outro metal se funde (humilde como ele só), para que, na mão do
ourives, possa se transformar na joia que enfeita o pescoço da princesa. Eu sou
a realeza!
Eu sou o
avesso de tudo que me ensinaram até aqui. E eu não vou mais parar.
***
Dia desses,
eu trocava confissões com um anjo, e ele me ensinou a voar.
Lilly Araújo
– 20/05/2016
18:30
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