quinta-feira, 29 de novembro de 2018

POESIA INOPORTUNA

















POESIA INOPORTUNA

A Poesia bafejou na minha cara
o azedume do seu mau hálito.
Quis que eu acordasse,
nem sei porquê,
contrariando meu desejo de dormir.
(Dormir para me salvar)

A poesia insistente,
inoportuna, inútil
sempre quer falar.

Ela subiu no telhado,
olhou os carros multicoloridos
contrastando com seu humor
em preto e branco.

A Poesia quis pular,
para ver se também eu
saberia voar.
Mas eu não soube.

A poesia sempre me sacaneia.
Com o olhar de “cigana
oblíqua e dissimulada”,
me traí todos os dias!

Eu pulava sempre do telhado,
e não tinha asas,
como as que tinha a Poesia.
— Mas que diabos, ela me fez,
que eu nunca morria?

Lilly Araújo
-29-11-18

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O RENASCIDO



O RENASCIDO

A carne de Rosa era dura!
Eu sentia quando brincava de mordê-la.
Era uma carne meio diferente,
e alguns diziam que nem era de gente.

Rosa, até no jeito de andar se destacava,
tinha umas ancas largas
e uma bunda obtusa que balançava.

Ah, Rosa! Eu me recordo muito claro
das vezes em perdia uma pétala no caminho,
entre a sua casa e o trabalho.

Mas a carne de Rosa era dura!

Ela tinha um olhar duro também.
Umas mãos duras, e dedos duros.
Um olhar perdido
como quem sonha com algo muito distante.
Mas o olhar de Rosa era macio
quando me esfregava com sabão,
e a fala dela ficava entre dura e zombeteira,
quando me mandava esfregar atrás da orelha.
— Seu encardido! — dizia, me dando um gostoso sermão.

Seus dentes eram tão brancos,
mais brancos que próprio branco,
quando ela sorria enquanto me enxaguava.
E das poucas vezes em que isso acontecia,
de vê-la sorrir assim,
podia mesmo jurar que ela nem era gente,
igual ao que muita gente falava.

Foi na ladeira entre a rua quarta,
e a terceira,
que eu vi Rosa como ela era,
pela primeira vez,
em sua forma verdadeira.
(Rosa não era mesmo gente!).

Um barulho estrondou, e
ninguém sabia ao certo de onde vinha.
Agora tinha era pavor nos olhos de Rosa,
e eu, que era muito jovem para entender,
só ouvia sua prece citar nomes desconhecidos.
“Obá, Ogum e Oxossi” — Gritava.
— Salva-nos, oh, deus da guerra!

Enquanto o medo ia virando terror,
acho que ouvi-a clamar por um tal de Xangô.
Nunca vim a saber depois,
porque gente branca
tem medo dos ‘deuses dos pretos’.
E eu jamais pude entendê-los.

Mas a carne de Rosa era dura!
Dura dura dura, que nem um couro de javali
que o meu pai costumava citar em suas caçadas.

E sua mão, que era preta,
preta preta que nem breu,
puxou minha carninha branca
para dentro do seu abraço
e tremendo toda se encolheu.

A carne dura de Rosa parou todas as balas,
e de dentro dela, nascia pela segunda vez,
eu!

Lilly Araújo
01/11/18

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