quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Tudo lhe dói



























Tudo lhe dói

O poeta nunca pertencerá a um único amor,
porque o amor está em tudo,
e o poeta ama tudo e a tudo pertence.

Ele vê tudo, sente tudo e tudo lhe dói.
Ele é casado com a lua e amante das estrelas,
Sente-as todas, a todas ama, num amor que lhe corrói.

O sol lhe dói os olhos,
a noite lhe dói os ossos,
e a madrugada lhe dói a falta de ambos.

O poeta ama a lagartixa, que de cabeça
para baixo que não cai do teto.
Aliás, ele ama e ouve todos os bichos
da floresta, do cerrado, da caatinga...
Ele repousa com alma contente
na rede abraçada a qualquer galho,
seja qual for o cenário.

O poeta ama a onça pintada,
a pinta na cauda do tucunaré,
ele ama ser rio,
ainda que seja apenas igarapé.

O poeta é um ser descontente e dolorido,
Dói-lhe tudo, e a tudo abraça.
A tudo agradece e a tudo sorri.
Ele, porém, nunca está satisfeito,
porque de tudo tem fome,
e a vastidão mora em seu peito.

Se no árido, sente falta da umidade,
se na água, o seco lhe da saudade.
Se no mar, ele não se contenta,
quer também ver a sereia.
Se no raso, que ver o profundo,
e se profundo, sente falta da areia.

O poeta é um ser descomunal,
sente tudo, a tudo ama e tudo lhe faz mal.
Tudo lhe dói. E nada lhe basta!
O poeta é apenas um escravo e mais nada.

Lilly Araújo 30/05/16


*Fernando Coelho é esse poeta descomunal!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O QUE SE PODE SER



















O QUE SE PODE SER

E se você chegar amanhã,
e amanhã já for tarde demais?
E a esperança tiver virado desespero.
E o brilho do olhar tiver se apagado
num eclipse lunar,
numa noite onde não se ouvem mais estrelas,
porque todas, igualmente, se emudeceram.

E se você retornar para o porto
para descobrir, que tanto tempo depois,
já não há mais onde se ancorar ?

E se meu destino for sempre o mar?
Esse mar bravio e triste, onde naufrago
todos os dias com vontade de morrer,
porque do outro lado da morte espero,
enfim, saber o que se pode ser.

Não sou nada! Não sei ser nada!
e nem sonhos os tenho mais.
O poeta estava errado!!
Todos meus antigos sonhos
se converteram apenas em “ais”.

Lilly Araújo
12/12/18

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

POESIA INOPORTUNA

















POESIA INOPORTUNA

A Poesia bafejou na minha cara
o azedume do seu mau hálito.
Quis que eu acordasse,
nem sei porquê,
contrariando meu desejo de dormir.
(Dormir para me salvar)

A poesia insistente,
inoportuna, inútil
sempre quer falar.

Ela subiu no telhado,
olhou os carros multicoloridos
contrastando com seu humor
em preto e branco.

A Poesia quis pular,
para ver se também eu
saberia voar.
Mas eu não soube.

A poesia sempre me sacaneia.
Com o olhar de “cigana
oblíqua e dissimulada”,
me traí todos os dias!

Eu pulava sempre do telhado,
e não tinha asas,
como as que tinha a Poesia.
— Mas que diabos, ela me fez,
que eu nunca morria?

Lilly Araújo
-29-11-18

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O RENASCIDO



O RENASCIDO

A carne de Rosa era dura!
Eu sentia quando brincava de mordê-la.
Era uma carne meio diferente,
e alguns diziam que nem era de gente.

Rosa, até no jeito de andar se destacava,
tinha umas ancas largas
e uma bunda obtusa que balançava.

Ah, Rosa! Eu me recordo muito claro
das vezes em perdia uma pétala no caminho,
entre a sua casa e o trabalho.

Mas a carne de Rosa era dura!

Ela tinha um olhar duro também.
Umas mãos duras, e dedos duros.
Um olhar perdido
como quem sonha com algo muito distante.
Mas o olhar de Rosa era macio
quando me esfregava com sabão,
e a fala dela ficava entre dura e zombeteira,
quando me mandava esfregar atrás da orelha.
— Seu encardido! — dizia, me dando um gostoso sermão.

Seus dentes eram tão brancos,
mais brancos que próprio branco,
quando ela sorria enquanto me enxaguava.
E das poucas vezes em que isso acontecia,
de vê-la sorrir assim,
podia mesmo jurar que ela nem era gente,
igual ao que muita gente falava.

Foi na ladeira entre a rua quarta,
e a terceira,
que eu vi Rosa como ela era,
pela primeira vez,
em sua forma verdadeira.
(Rosa não era mesmo gente!).

Um barulho estrondou, e
ninguém sabia ao certo de onde vinha.
Agora tinha era pavor nos olhos de Rosa,
e eu, que era muito jovem para entender,
só ouvia sua prece citar nomes desconhecidos.
“Obá, Ogum e Oxossi” — Gritava.
— Salva-nos, oh, deus da guerra!

Enquanto o medo ia virando terror,
acho que ouvi-a clamar por um tal de Xangô.
Nunca vim a saber depois,
porque gente branca
tem medo dos ‘deuses dos pretos’.
E eu jamais pude entendê-los.

Mas a carne de Rosa era dura!
Dura dura dura, que nem um couro de javali
que o meu pai costumava citar em suas caçadas.

E sua mão, que era preta,
preta preta que nem breu,
puxou minha carninha branca
para dentro do seu abraço
e tremendo toda se encolheu.

A carne dura de Rosa parou todas as balas,
e de dentro dela, nascia pela segunda vez,
eu!

Lilly Araújo
01/11/18

terça-feira, 18 de setembro de 2018

EM FRENTE À JANELA


EM FRENTE À JANELA

Ou me sento e escrevo,
ou vou fingindo que nada pulsa aqui dentro.
E assim,
vou morrendo de fingir,
apenas para continuar escrevendo.

Continuar e sorrir!
Sorrir todos os risos amarelados
que me ensinaram com tempo.
O tempo de não ser mais criança,
e de aprender a mentir,
e fingir e fingir...

O poeta é mesmo um excelente fingidor!
(Fernando já dizia.)
Ele finge toda a sua dor,
enquanto os outros pensam que ele sorria...

E quando tudo acabar,
quando a dor se extinguir,
quando a vida não mais for,
o poeta terá deixado em forma de versos
toda a sua dor.

Ou eu sento e escrevo,
ou não serei nada.
Nem poeta, nem fingida,
nem amada.

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. ”

E o que me resta,
depois de todas as verdades já escritas,
é me sentar com um cigarro na mão,
olhando a janela que dá em frente à Tabacaria.

Oras, isso também
não é um tipo de alegria?

Lilly Araújo 

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Tema recorrente



TEMA RECORRENTE

Leio poemas de amor.
Leio livros inteiros que só falam de amor.
Por que esse tema me aflige tanto?

Ah, o Amor! (...).
Amar o amor!x
Falar do amor até consumi-lo,
até consumir-me.
E depois, morrer de amor,
e amanhecer novamente
com dores de um amor que não veio,
e chorar o amor não amado,
o beijo não renovado,
e gozo outra vez adiado.

Tenho lido tanto sobre amor,
sem conseguir encontrar o ser amado.
Buscar o que não se sabe,
o impalpável, o incompreensível.
Esse tema recorrente.
(perturbação de minhas sinapses.)

Eu detesto o amor! (Empáfia)
Essa coisa doída que é estar sem colo.
Esse abandono de si mesmo para o insano.
Esse tentar puxar as rédeas de um cavalo xucro.
Mas que rédeas? — Não há rédeas!

E no fim de tudo, só há amor.
Essa coisa toda que toma conta da gente.
Amor e mais amor, e muito amor.
Esse tema persistente.
— Um amor persistente!

Lilly Araújo – 14/09/2018

sábado, 14 de julho de 2018

ENTREGA

ENTREGA


Retorno dos seus braços com o corpo repleto de hematomas e arranhões com que marcava a cada instante. Lembro-me de ter passado frio, à beira do seu rio, contando estrelas cadentes que você me ofertava na tentativa vã de me vencer. Deixei-me estar ao seu lado e adormecer, para então sonhar que eu contava estrelas cadentes aninhada em você.
Retorno dos seus braços, na certeza da suavidade que eu tanto precisava. Seu toque de algodão do cerrado, seus dedos gélidos de frescor da manhã, e o cor de rosa do pôr do sol nas suas pálpebras de brisa.
Retorno!
Porque sonhar o azul dos seus olhos profundos a me olhar do abismo, bem fundo, traz-me hematomas e dores que eu sempre quero comigo. A verdade, é que se entregar, é preparar-se para a dor das saudades, sem titubear.
Retorno!
Trago ainda a sensação líquida de você entre meus joelhos em genuflexão.
O amor. Ah, o amor vem carregado de perdão!
E nos perdoaremos por todas as saudades que hão chegar ( e chegaram): do cheiro; do toque; do paladar; do sorriso branco das suas espumas a me banhar...
Dia desses qualquer, eu pego a estrada aflita do desejo e vou de novo, em suas garras me arranhar.

Lilly Araújo 14/07/18
13:50h
(Para Chapada dos Veadeiros)







quarta-feira, 4 de julho de 2018

Escrever um romance




ESCREVER UM ROMANCE

Tenho tantos talentos dizem, mas,
meus olhos insaciáveis almejam sempre mais!
Se eu soubesse, por exemplo,
escrever um romance,
essas narrativas compridas,
que envolvem cenários bonitos e
personagens com características instigantes,
eu escreveria um todo para você.
Um romance bem romântico,
no mais fiel sentido do romantismo.
Mas como não sei escrever romance,
vou soltando essas palavras em forma de poesia,
que eu também não sei! <<


Lilly Araújo

sexta-feira, 29 de junho de 2018

TERAPIA


Tenho vícios espúrios e desconexos.
Um deles é ser viciada em amar o ato de amar.
Anos e anos gastos numa clínica de recuperação,
e o resultado, é o de ter voltado, amando tudo e todos de lá.

Eu amei a seringa; a enfermeira;
o colega do lado, viciado em bolinhas de gude;
e a Dona Gertrude,
que amava filmes de ETs,
desde que fora abduzida na infância.

Eu amei a distância!
Amei a saudade. A aula de arte.
E o fim de tarde, sentada no pomar.

Tenho vícios inventados e sem sentido.
Um deles é esse desejo, de estar sempre contigo.

Lilly Araújo

sábado, 23 de junho de 2018

TODO MEDO DO MUNDO



TODO MEDO DO MUNDO

Tenho medo!
Tanto medo que me encolho
sobre rochas escorregadias repletas de limo.
É noite eterna em minha alma,
ainda que sol a pino.

Tenho medo. Muito medo!
E ainda olho o horizonte perdidamente
em busca de um farol, que nunca mais!
A luz que me resta na mente, mente.

À beira-mar,
revolto mar, escuro mar bravio,
eu diminuo e me aninho.
Abraço meus braços gélidos e esquálidos
porque me falta a vida, no sopro do teu hálito.

Tenho medo. Tanto medo!!
Que não ouso mais dormir ou cochilar.
Tanto medo, que nunca mais pude sonhar.

E fico aqui,
no intermeio desse mundo onde habito,
que não entendo e nem me atrevo,
porque tenho um medo infinito.

Lilly Araújo – 05/04/18

domingo, 10 de junho de 2018

PREÂMBULOS




PREÂMBULOS

Teço longos preâmbulos para falar de sentimentos
proibidos desde sempre.
Falar disso é fraqueza imperdoável!
Eu, que sou afrontosa, aprendi a me driblar,
escrevendo poesias onde me desnudo
desavergonhadamente sem nenhum desvio.

É proibido se apaixonar!
É piegas se apegar,
e sonhar longas danças sob a chuva,
banho quente, vinho rubro e lareira estalando.

Eu que sou afrontosa ‘toda a vida’,
teço preâmbulos extensos
para falar de desejos densos e proibidos.
O termo ‘saudades’ resumiria tudo isso.

Lilly Araújo
10/06/18

sábado, 5 de maio de 2018

CARÍCIAS DE UM ABANDONO



CARÍCIAS DE UM ABANDONO

Há dias que não como.
A levedura fétida dos pães amanhecidos
me embrulham os sentidos todos.
Há um certo ar de um ‘quê’ não resolvido.
Questões cíclicas em torno do meu umbigo.

Há noites e noites e noites que não durmo,
sob o sol desse abandono que me queima
numa cama insone e gélida.

Há sempre esse revolver de regurgito em minha boca:
a falta do abraço cálido,  que me cale
esse clamor de autopiedade repetitivo.

Se estou só?
— não apenas isso— é que estou sem ti.
E isso é muito mais que eu poderia.

Há dias infinitos que não posso
sentir um orgasmo de flores desabrochando,
porque nesse limbo da penumbra,
eu só posso provar carícias de um abandono.

Lilly Araújo- 05/05/18

08:15h

sábado, 14 de abril de 2018

ANÚNCIO URGENTE

ANÚNCIO URGENTE
Procura-se uma alma.
Uma alma que não esteja hipotecada.
Pago um bom preço,
tenho economizado por toda um vida.
Procuro uma alma com aura verde.
Verde de esperança de um recomeçar.
Pode ser aura rosa também,
que é minha cor predileta.
Pensando bem,
pode ser aura de qualquer cor,
desde que não seja desbotada,
preciso de uma cor vibrante e profunda.
Procura-se uma alma urgente!!
Que não esteja ocupada,
arrendada,
alugada,
abandonada,
desgastada,
despedaçada ...
O corpo em que ela habita é o que menos importa,
estou farta de bundas,
pernas e bocas sem almas.
Preciso de uma alma inteira para eu morar.
Pago bem!
Tenho a minha própria alma para ofertar-lhe também.
Lilly Araujo-12/04/18

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Morada

De todas as saudades que eu sinto, a que mais me afugenta o sono, é o desejo de morar dentro de você!

Lilly Araújo 26/12/17
23:58h

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