Ah, eu estou me sentindo meio
descrente da vida, sabe? Com meu corpo sedentário sobre a cama por horas a fio,
e já quase atrofiando a alma.
Estou com vontade de fugir de
tudo que é urbano. Esquecer os fios conectores, o Bluetooth, Ipods, ou qualquer
coisa que tenha teclas, ou telas, ou façam qualquer som frenético. Vontade de
deixar esse mundo que se tornou tão aflito, e que tem sempre muita pressa. Onde
tudo é manejado por um apertar de botões. Meus ouvidos estão feridos!
Estou com sede de terra
molhada, de sentir o aroma de grama amassada, de formiga esmagada, enquanto o
único som que se possa ouvir seja dos pássaros lutando no ar, numa dança de
acasalamento, paz e alegria; que seja o som das cortadeiras picotando suas
folhas e marchando por entre os trieiros, como se fossem soldadinhos; que seja
o som dos estalidos dos gravetos que se desprendem das árvores ou do bico das
passarinhas que ajeitam maternalmente o ninho dos seus filhotinhos. Quero ouvir
o som das águas batendo contra as pedras e fazendo esculturas infinitas.
Quero adentrar-me no rio e me
deixar levar pelo seu leito tortuoso, e sentir a água me abraçar, e a brisa me
acariciar. E ir percorrendo o seu caminho sem pressa. E ter tempo de observar o
céu azul claro, e uma diversidade de aves cortando o seu espaço, todas leves e
belas, alheias ao meu observar. E sentir o sol bater intermitente no meu rosto,
entrecortando os ramos das matas ciliares que circundam o rio onde meu corpo
bóia, como uma pluma, feliz!
E assim continuar percorrendo
juntos às águas, caminhos que eu nunca conheci, até que o dia seja noite. E
sentir agora os dedos enrugados, e o bater das minhas mandíbulas pelo frio do
rio, e isso também me deixar feliz.
E me refugiar depois em uma das
margens. Jogar meu corpo na areia e ficar inerte. Observar cuidadosamente que o
céu trocou sua roupa anil por saias alaranjadas, que pouco a pouco vão se
tornando azul turquesa, e salpicos como lantejoulas vão lhe sendo cosidas, em
forma de estrelas.
E no frio acolhedor da areia me
deixar ficar um pouco mais, e notar que os sons também se transformaram. Agora,
o bater das asas dos pequenos passarinhos silenciou. Dormem aconchegantes em
seus galhos e ninhos. E as cortadeiras também foram descansar. Ainda estalam os
pequenos gravetos que se desprendem, e o som das águas escultoras também
continua o mesmo. Lentamente os anuros começam a reger a orquestra do
anoitecer: sapos; pererecas e rãs, “gritam” e saltam desenfreadamente, como se
quisessem alcançar os pirilampos piscantes pregados à grande teia que é o céu,
e assim, comer uma a uma, cada estrela.
Estou com sede dessa paz que há
muito não sinto. Estou com medo de jamais torná-la a sentir. Presa na cadeia Cidade-Grande,
onde os sons são sempre de botões, buzinas, palavrões e, acima de tudo, de
pressa. Muita pressa.
© Por Lilly Araújo - Direitos Autorais Reservados.
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