terça-feira, 9 de março de 2010

Uma vez Vanessa




















Gente, pra vocês não pederem a oportunidade de ler um grande escritor, uma canjinha do José Guilherme .

Vanessa chega no chopp com os amigos, sempre sozinha - e, segundo ela, sempre bem acompanhada…


Uma vez Vanessa

Bem poderia se chamar Gabriela, pelo seu cheiro de cravo, sua cor de canela.


Bem poderia ter nascido na Tailândia ou Havaí, e hospedar flores coloridas nos cabelos fartos e estonteantes.

Aqui,uma licença a Machado: cabelos de ressaca, cujas ondas tragam incautos às ilusões e fazem marmanjos rastejar. Bem poderia ter sido uma deusa indiana, uma chica cubana, mulher de bacana, no banco direito estofado em vermelho de um conversível elegante, a provocar inveja aos transeuntes de Saint Tropez.

Bem poderia ter sido a garota de Ipanema com seu balançado que é mais que um poema.

Bem poderia ter sido Pocahontas, de encantos infantis. Ou Carmem de Bizet de gestos e olhares fatais.

Ela é tudo isso, um pouco disso, ou nada disso, dependendo da gula de cada um.

Mas Vanessa é Vanessa.

Não está nem aí para poetas e malandros, homens de bem ou caras do mal, colegas de faculdade, parceiros de trabalho, primos próximos ou distantes, vizinhos tímidos ou insinuantes.

Vanessa quando chega no chopp com os amigos, sempre sozinha - e, segundo ela, sempre bem acompanhada - , é frege certo na mesa. A cabeceira é o lugar de que ela se apossa, mesmo que seja nos cantos os nas beiradas arranjadas.

Não importa: quando ela se instala, copos se erguem, súditos urram, os desacompanhados se empavonam, os acompanhados quase apanham da mulher.

Mas Vanessa é sempre Vanessa.

Não está nem aí para azarações ou insinuações. Se não é de todos, também não é de ninguém. Uma vez, santa inquisição, imprensada por um pretensioso e atrevido candidato, sentiu do réptil um bafo indigesto no quengo direito e perfumado.

- Morena, qual é a sua? Sou doido por você.

Afastou-se em rodopios, deixando o mestre sala no chão.

- Desencana, Mané. Amor para mim se chama Flamengo.

E disso ninguém duvidava. Rainha das arquibancadas, shortinho justo e camisa rubro-negra 10 de Zico ou do Adriano Imperador, perdia o sono antes do jogos e a voz aos apitos finais. Titulares e reservas atuais e de glórias passadas, tanto faz, de todos sabia de cor. Hinos, musiquinhas, provocações eram seus acalantos. Dizem até que dormia de camisola rubro negra, fato de suspeita veracidade, já que intimidade não era seu dom. Quando provocada, tinha resposta na ponta da língua.

- Nunca ninguém viu, nunca ninguém mereceu ver.

Até que um dia Vanessa tomou chá de sumiço. Férias na faculdade, licença no trabalho, as cartas se acumulando na porta do seu apartamento, onde morava sozinha e independente. Ausência total, também e principalmente, sentida na mesa do chopp. Desenganados e jururus, garçons, frequentadores sóbrios e bebuns, todos sem disfarces suspiravam a lacuna que ela deixara.

Mas a mídia não perdoa.

A final da última Taça Guanabara não teve Flamengo. Mas no calor da arquibancada do Maracanã, uma insidiosa câmera da Globo flagra uma morena exuberante e sorridente, formosa como ela só, que abraçada a um rapaz comum, cara de anjo, olhar de moleque, de nome Joelmir, vulgo Joel, grita ao mundo que, por quê e por quem está apaixonada.

- Fooooogo! Fooooogo!

Se havia dúvidas se era mesmo Vanessa, mais uma vez a internet escancarou. Caiu no youtube a verdade. No auge da comemoração, Vanessa abraçada ao bem aventurado Joel, em cima da estátua do ereto Manequinho, shortinho justo de explicitas reentrâncias, camisa 7 de Garrincha, Jairzinho e Túlio Maravilha, soltou a voz e olhares inconfundíveis para quem quisesse ver, ouvir e babar.

- E ninguém caaaaaaala esse nosso amoooooor!

E tome de beijos longos e sinceros, tanto no fortunoso botafoguense Joelmir, quanto na estrela solitária bordada no lado esquerdo do peito. A imagem correu de iphone em iphone , de lap em lap, de computador em computador, pela vizinhança, pelos colegas de trabalho, pela turma da faculdade, pela mesa do chopp. Ao que foi visto e revisto, sucederam indignações, explicações e especulações.

- Traíra! Vira casaca!

- Ela conheceu o cara na ante sala do dentista.

- Em pouco tempo, levou a escova de dente para casa dele.

- Será que levou a camisola rubro-negra?

- Que nada. O time dela sempre foi ela mesma. Essa morena deu olé em todos nós.
Mesmo entre os derrotados há lampejos de sabedoria. De perceber que quando a paixão entra sem pedir licença, quando o cupido chama na chincha e o amor vem que vem, lindo e poderoso, por ele tudo se faz, tudo se desfaz, tudo se é ou se deixa de ser.

E a morena segue e requebra, dentro de sua camisa justa e listrada em preto e branco, lixando-se aos que a dizem e maldizem. Esbanjando personalidade e firmeza, desfilando mundo afora aos abraços com seu ditoso amor Joelmir, vulgo Joel, ostentando o sorriso escancarado de quem ama, os olhares maldosos e infantis, e o seu balançado que é mais que um poema.

Esta é Vanessa. Acima de tudo e de todos, sempre Vanessa.

*  Por José Guilherme Vereza em 07/03/2010 23:52   ZÉGUI.

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